Se alguém quiser votar em mim na próxima eleição para prefeito e houver partido sério e consequente disposto a me acolher em suas hostes, anuncio desde já minha plataforma de governo: não economizarei trocados para investir em saúde, não reduzirei o tamanho da máquina pública municipal para investir, além do percentual constitucional obrigatório, em educação. Tampouco investirei em segurança pública ou em lazer e esportes. E o “povo da cultura”, sempre tão carente de recursos, que se aprecate, porquanto não investirei um só níquel nessa área.
Dedicarei o melhor da minha energia e dos meus esforços para transformar nossas vias urbanas. Todo dinheiro que sobrar das receitas vinculadas, com destinação obrigatória, irá para as ruas. Ao final de quatro anos teremos ruas e avenidas transformadas e a ATU não mais poderá incluir em suas planilhas de custos gastos com rodas, pneus e suspensão de seus veículos, pois eles, como os nossos, circularão por vias transformadas em tapetes aveludados que os acariciarão.
Faltarão postos de saúde, pessoas mofarão nas filas de espera por consultas e hospitalizações? As escolas ruirão, os professores reclamarão da remuneração insuficiente? Faltarão espaços de lazer, pracinhas com brinquedos e ginásios esportivos? Eventos tradicionais da área cultural, como a Feira do Livro, sucumbirão por falta de financiamento público?
Os vereadores pedirão meu impeachment por que não atenderei requerimentos para realização de pequenas obras que beneficiem seus redutos eleitorais e seus apoiadores? O TCE, sempre tão cioso na análise da aplicação dos recursos públicos e na manutenção de privilégios corporativos internos, recomendará a não provação de minhas contas?
Tô nem aí, que se explodam, pois todos os prefeitos que não investiram na reforma e na manutenção de nossas ruas, por falta de recursos, e preferiram apostar nas áreas ditas sociais, conseguiram contemplar as necessidades de nossa gente nesses diversos segmentos?
Está tudo maravilhoso na saúde, na educação, na segurança (naquilo que, supletivamente, compete ao município)? Nossos espaços públicos de convivências, como praças e parques, são suficientes, adequados e nos atraem irresistivelmente? Tem sobrado dinheiro para investimento na cultura? Óbvio que não, óbvio que todas as respostas às questões formuladas são negativas. E, no entanto, nossas ruas, abandonadas ao longo de décadas, se transformaram em verdadeiras pistas de rally, que desafiam diariamente nossa paciência e nossa capacidade de tolerância com a irresponsabilidade do poder público.
Naturalmente, leitor, minha proposição inicial é uma alegoria para tentar demonstrar que as opções feitas ao longo do tempo talvez não se tenham revelado as melhores escolhas e que, de algum modo, é preciso repensarmos os conceitos de cidade e de gestão, para que a urbe que queremos se torne mais próxima da que é factível com os minguados recursos do Erário municipal.